
A medicina baseada em evidências tem autoridade no campo médico, mas não nos dá todas as respostas. E isso se deve, em boa parte, à sua abordagem reducionista do adoecimento.
A medicina é uma construção coletiva sobre o que aprendemos sobre aliviar a dor e o adoecimento, porém muito conhecimento acumulado ficou de fora.
Parte do que ficou de fora hoje se chama medicina alternativa, e a outra parte curandeirismo. O que sobrou é a medicina estruturada que estudamos nas faculdades.
Na era contemporânea, o conhecimento médico evoluiu rapidamente, mas a validação foi apenas para o que a ciência incorporou.
Avanços científicos revolucionaram a medicina, resultando principalmente em novos medicamentos. Dessa forma, as patologias passaram a ser as grandes estrelas e o elemento principal do estudo médico.
O compêndio de doenças e a medicina baseada em evidências
A medicina baseada em evidências se fundamenta em uma abordagem científica que prioriza estudos clínicos, revisões sistemáticas e outros métodos empíricos para tomar decisões médicas. O objetivo é minimizar vieses e subjetividades, baseando-se em dados quantificáveis e análises estatísticas.
Assim sendo, o conteúdo subjetivo ficou de fora, assim como a diversidade das pessoas, que permaneceu sendo descrita numa quantidade pequena de grupos (homem, mulher, branco, amarelo etc.).
Em adição, os formulários de anamnese passaram a reduzir as diferenças entre as pessoas e a destacar as evidências das patologias, tornando a ciência médica simples e objetiva.
Dessa abordagem surgiu a tríade Doença-Diagnóstico-Tratamento como base da medicina moderna. E foi crescendo o interesse da indústria pelos medicamentos, o que a tornou a principal patrocinadora dos avanços tecnológicos que vieram.
Criaram-se laços fortes unindo doenças, tratamento medicamentoso e narrativa científica. Quase sempre envolvendo medicamentos de última geração atrelados a patentes de alto valor econômico.
Entretanto, a metodologia usada focou mais em evidenciar doenças do que considerar a totalidade dos fenômenos envolvidos no sofrimento humano, deixando de fora muitos estudos importantes.
A complexidade do adoecimento
O sofrimento surge do desequilíbrio entre fatores físicos, emocionais, sociais e ambientais. Mas sua inter-relação é complexa.
E a medicina moderna advinda da ciência, por ser essencialmente sintomática, acaba resolvendo o adoecimento de forma superficial.
Uma pessoa que passou a vida sem se conhecer, com pressa e sem saber ao certo o que seus sintomas representam além da doença, precisa se satisfazer com o pouco que a ciência dá.
Vivemos um contexto que valoriza a rapidez e a eficiência numérica, afinal tudo que conhecemos se mede em números e faltam padrões que considerem outras variáveis.
Hoje em dia a maioria de nós tem pouco tempo e interesse em observar como aquilo que nos cerca nos afeta e menos ainda como afetamos o meio em que vivemos.
A medicina moderna, mesmo considerando alguns aspectos emocionais, quase não considera a diferença na constituição das pessoas.
Mas será que temos interesse em investir tempo e disposição para ampliar os horizontes de abordagem de nossas dificuldades?
A medicina baseada na tríade doença-diagnóstico-tratamento forma uma referência circular, pois os elementos da relação médico-paciente dificilmente conseguem considerar o que estiver fora deste trígono.
Assim a ciência define o que é sintoma e sinal das doenças, bem como o que é efeito terapêutico e efeito colateral dos remédios.
Porém sinais e sintomas são manifestações humanas, e por isso têm um caráter particular e único para cada indivíduo.
Então, talvez essa abordagem estruturada não seja a melhor forma de tratar nossas dificuldades. Pois a ciência formal possui limitações que podem restringir imensamente a compreensão dos fenômenos que nos causam sofrimento.
Enfim, a medicina baseada em evidências está longe de ser uma ferramenta integrativa, embora seja eficiente em sua praticidade objetiva. Mas podemos tomar a frente e investir em novas ferramentas e novos padrões de pesquisa que considerem os aspectos subjetivos deixados de fora por dificuldade técnica. Só assim talvez consigamos preencher as lacunas que ainda faltam.