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Bom caráter ou boa reputação: o que o algoritmo prefere?

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Bom caráter ou boa reputação?

Bom caráter é diferente de boa reputação porque o segundo precisa de uma plateia, mas não o primeiro. E vale repensar o quanto é verdade quando dizemos que não nos importamos com o que os outros pensam.

O prestígio de alguém se forma da construção de opiniões sobre esse alguém em determinado meio.  E nem sempre significa que essa pessoa tem um caráter que lhe corresponda.

Vivemos um tempo em que as evidências públicas são mais importantes que o caráter e as certezas pessoais. Assim, a promessa de construir uma autoridade digital quase do zero, parece encher os olhos de muita gente.

Uma pessoa muito empenhada em tornar-se conhecida e influente no mundo digital, necessariamente não é mais digna que qualquer outra anônima, mas os meios digitais prometem a ela um conceito satisfatório se ela fizer uso das ferramentas certas.

Não é difícil concluir que essa facilidade pode ser bastante útil aos impostores.

No mundo digital, ou você pensa ou é pensado; ou planeja ou é planejado. Em nenhum outro contexto essa máxima é tão verdadeira quanto ali. Ou você é o vendedor, ou é o produto sendo vendido.

E isso quer dizer que estamos em apuros, pois não basta ter a consciência tranquila por ter feito o seu melhor, é preciso comprovar publicamente.

O problema é que a comprovação sempre requer conhecimento técnico e pagamento em dinheiro.

Nunca houve nem haverá quem seja universalmente louvado ou criticado, pois a essência do ser humano é a diversidade de opiniões que o cerca. O caráter, sendo a expressão genuína de quem somos, geralmente está intacto por trás dos aplausos ou vaias alheias.

Já a reputação, construída sobre a percepção dos outros, é instável, sujeita às variações de contexto e interesse. Nas redes digitais, porém, vemos uma tendência preocupante: a ascensão das “unanimidades”. Perfis impecáveis, cuidadosamente construídos, ganham destaque em detrimento da autenticidade.

O bom caráter e a autoridade artificial

As novas tecnologias, alimentadas por algoritmos que premiam consenso e polarização, moldam uma reputação que muitas vezes não reflete caráter, mas sim uma projeção idealizada.

Esse contraste é essencial: o caráter é interno, independente e enraizado na ética pessoal, enquanto a reputação é externa, dependente da aceitação social. A era digital, ao favorecer unanimidades, promove máscaras que eclipsam a complexidade humana.

O problema surge quando as pessoas sacrificam sua integridade para manter uma reputação imaculada, confundindo validação externa com valor pessoal.

São João Crisóstomo em seus sermões dizia que é mais fácil um homem renunciar a seu dinheiro e seu poder do que à sua reputação. Se fosse hoje em dia, poderíamos interpretar que qualquer homem, se pudesse, daria uma fortuna por uma boa reputação!

E as redes sociais estão aí para aproveitar essa verdade ao máximo.  Elas fazem parecer simples construir e manter uma imagem pública, e dão ferramentas fáceis de usar para quem se dispõe a abrir mão da própria complexidade e pagar bem.

Quem assistiu ao filme A Rede com Sandra Bullock na década de 90, pôde ver um prenúncio do poder que os meios digitais teriam de destruir a vida de uma pessoa.

Restrição do lugar de fala

Hoje em dia, nossos perfis determinam nosso lugar de fala, restringindo nossa autoridade em diversos assuntos, e dele pode depender a manutenção direta de nosso sustento.

E se dão o direito de punir e recompensar com base no que concluiram, tomando decisões que podem destruir a presença das pessoas nas redes, sem qualquer direito à defesa.

A rede social é como um grande galinheiro, apenas joga-se o milho e registra-se como as aves se comportam perante o milho jogado.

Não existe o direito ao meio termo. Somos como galinhas: ou comemos ou não comemos o milho, curtimos ou não curtimos. E como seres desumanizados não podemos refletir ou opinar de forma complexa, ou não seremos compreendidos.

Entretanto nós ainda merecemos um meio de discussão à nossa altura. Mesmo fazendo uso das novas tecnologias, não devemos renunciar ao que nos caracteriza como seres humanos.

Será que a construção de um bom caráter em detrimento dessa reputação duvidosa vai caber no universo restrito que estamos ajudando a construir com tanto empenho?

 


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Publicado em:Mente e Consciência

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